Deputados debateram a transferência de resíduos químicos da Baixada Santista (SP), produzidos por fábrica em Cubatão, para serem incinerados em Sarzedo (MG)
A deputada Marília Campos questionou a autorização para incinerar os resíduos em Minas

População se opõe à queima de resíduos tóxicos em Sarzedo

Representantes de usina de incineração alegam que empresa cumpre todos os pré-requisitos da legislação ambiental.

29/02/2016 - 19:40

O destino de cerca de três mil toneladas de resíduos organoclorados produzidos pela fábrica Rhodia, em Cubatão (SP), feita pela usina Ecovital, em Sarzedo (Região Central do Estado), foi tema de acalorado debate em audiência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta segunda-feira (29/2/16). Os resíduos foram produzidos entre as décadas de 1960 e 1990 na Baixada Santista. Do total, 500 toneladas foram incineradas no município mineiro, o que teram gerado protestos da população.

Componentes organoclorados, como o Pentaclorofenol e o Hexaclorobenzeno, foram usados por muito tempo no Brasil como inseticidas e possuem ação cancerígena, tendo seu uso banido por causarem grave impacto ao ecossistema, grande estabilidade química (que os tornam de difícil descarte) e toxicidade. Atualmente, devido à atuação do Ministério Público (MP), a queima dessas substâncias está suspensa em Sarzedo.

De acordo com o diretor químico da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), Márcio Antônio Mariano da Silva, várias áreas no litoral sul do Estado de São Paulo foram contaminadas pelo descarte, que teria sido realizado de forma indiscriminada pela Rhodia, cujas atividades já foram encerradas. Ele colocou em dúvida a segurança do método de eliminação dos componentes por meio da queima em incinerador. “Existem mais de seis tecnologias melhores sendo experimentadas fora do País, mas são mais caras. Os gases emitidos por meio dessa queima são o problema. Nesse jogo de empurra-empurra com o lixo tóxico, a população de Sarzedo que sai penalizada”, criticou Márcio.

O professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade da Escola Superior Dom Helder Câmara, José Cláudio Junqueira Ribeiro, questionou a necessidade de trazer os resíduos para queimar em Minas. “A Convenção de Basiléia prevê que os resíduos devam ser descartados o mais próximo possível de suas fontes de origem. Além disso, a norma mineira diz que o transporte de resíduos desse tipo devem ser feitos apenas mediante estudo de impacto ambiental e licenciamento mais detalhado”, afirmou o professor. A Convenção de Basileia, de 1989, é sobre o controle de movimentos entre fronteiras de resíduos perigosos e seu depósito.

Para José Ribeiro, o Estado de São Paulo tem melhores alternativas para esse resíduo e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) é a entidade que tem a melhor condição da América Latina de fazer a fiscalização de como essa incineração será feita.

O promotor de Justiça e coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias Rios das Velhas e Paraopeba do MP, Mauro da Fonseca Ellovitch, ressaltou que, na licença concedida à Ecovital pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), não há autorização para transporte, recebimento e incineração de substâncias perigosas de outros Estados. “Todos que estão aqui hoje querem se precaver e possuem esse direito. Por isso, recomendamos a suspensão da queima até que tudo seja esclarecido, e instauramos inquérito civil. Não nos sentimos seguros juridicamente de dar continuidade à atividade”, disse o promotor.

A autora do requerimento que deu origem à reunião, deputada Marília Campos (PT), mostrou-se preocupada pelo fato de que outros Estados já teriam recusado receber e incinerar os resíduos. “Por que em Minas esse licenciamento foi autorizado? Já sofremos muito com o que aconteceu em Mariana (Região Central do Estado), que poderia ter sido evitado. Naquele caso, houve negligência. Não queremos que uma tragédia semelhante aconteça”, concluiu.

Segundo usina, temores são infundados 

O superintendente do Programa de Integridade da Ecovital, Cláudio José Pontual, disse que na Bahia houve comoção da população. Segundo ele, isso gerou processo, atualmente arquivado porque o teste de queima no incinerador de resíduos sólidos teria atendido à legislação vigente. “Temos todas as licenças ambientais exigidas. Mas a população desconhece e, por causa disso, teme o que fazemos. Temor esse baseado em suposições infundadas”, afirmou o superintendente.

O gerente de produção da Ecovital, Jarbas Amaro de Souza Filho, alegou que o teste de queima feito no incinerador do município mineiro em 2013 atestou 100% de queima de compostos organoclorados no solo contaminado, com nenhum agente contaminante tendo chegado à chaminé. “Esse teste será refeito”, explicou.

Já segundo o subsecretário de Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Geraldo Vitor de Abreu, o licenciamento é feito pelo Copam levando-se em consideração a classe de risco dos resíduos, mas, no caso da Ecovital, não foi levado ao plenário da entidade para discussão. “O Copam apenas recebeu o aviso de que os resíduos seriam descartados no Estado e não entendeu que haveria necessidade de um debate detalhado sobre isso”.

Geraldo de Abreu também explicou que a legislação vigente determina o automonitoramento por parte das empresas, que devem apresentar parâmetros dentro do que preconizam as leis. “Na opinião dos advogados da Semad, houve manifestação de conformidade do Copam para o licenciamento, mas estamos aguardando parecer da Advocacia-Geral da União. E teremos um teste de queima feito com o material vindo de São Paulo, com a presença de representantes da sociedade civil e apoio da Cetesb”, explicou o subsecretário.

A subsecretária de Controle e Fiscalização Ambiental Integrada da Semad, Marília Carvalho de Melo, falou que o transporte dos resíduos foi licenciado pelo Ibama e por um tribunal de São Paulo. “Mas é importante esclarecer que a autorização foi dada por ofício, sem análise técnica do resíduo. Um teste de queima antes da autorização ser emitida não foi feito”.

Revolta – Moradores de Sarzedo manifestaram-se contrariamente à continuidade das atividades da empresa. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Minas Gerais (Sinttel), George Felipe Oliveira Alves da Silva, criticou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente por ter declarado à imprensa desconhecer as atividades realizadas nas dependências da Ecovital. Ele também pediu a realização de audiência pública na cidade e classificou a atuação da Prefeitura de Sarzedo como omissa e conivente com a usina. “Já tivemos problemas com outras empresas que também obedeciam à legislação. É hora de rever essas leis obsoletas, que podem ser facilmente burladas”, criticou.

A vice-prefeita de Sarzedo, Maria José do Amaral, esclareceu que o município está acompanhando de maneira cuidadosa o caso, além de fazer visitas constantes à empresa. “A queima está suspensa e estamos aguardamos o pronunciamento do Ministério Público”.

Consulte o resultado da reunião.